Consolidando a Identidade Regional e Explorando as Fronteiras do Conhecimento no Semiárido
A proposição de um direcionamento estratégico para a sexta edição do Congresso Unebiano de Ciências Biológicas (ConUCBio) exige, primeiramente, uma análise aprofundada de sua trajetória. O histórico do evento revela uma notável maturação, evoluindo de uma resposta a crises globais para uma afirmação proativa de sua identidade regional, profundamente enraizada nas particularidades do semiárido baiano e nordestino. Compreender essa evolução não é apenas um exercício retrospectivo, mas a chave para garantir que o VI ConUCBio construa sobre as fundações de seu sucesso, consolidando seu papel como um fórum científico de relevância singular.
As primeiras edições do ConUCBio foram moldadas por um contexto global de incerteza e pela necessidade premente de a ciência se posicionar frente a desafios de grande escala. A primeira edição (I ConUCBio), realizada por volta de 2020, teve sua programação fortemente influenciada pela crise sanitária mundial. Palestras como "Zoonoses urbanas e as comunidades carentes" e a mesa-redonda "Pandemia da Covid-19 e suas implicações sociais e epidemiológicas" demonstram um alinhamento direto com as preocupações imediatas da sociedade e da comunidade científica naquele momento.
Seguindo essa linha, o II ConUCBio, ocorrido de forma online em outubro de 2022, ampliou essa reflexão para um campo mais abrangente com o tema "Tecnociência, Educação e Sociopolítica: o que eu tenho a ver com isso?". Este tema, embora ainda ecoando a "nova realidade provocada pela pandemia", transcendeu a discussão puramente epidemiológica para questionar o papel da ciência, da tecnologia e da educação na estrutura social e política.
A terceira edição do congresso, em 2023, representa um marco fundamental e um ponto de inflexão estratégico em sua história. Ao ser sediado presencialmente pelo Campus VI da UNEB em Caetité, no coração do Alto Sertão baiano, o III ConUCBio realizou um movimento deliberado de ancoragem regional. O tema central, "Natureza e Sociedade: desafios contemporâneos e possibilidades no semiárido", sinalizou uma mudança de paradigma: o congresso deixava de apenas reagir a pautas globais para ativamente construir uma agenda de pesquisa e debate a partir de sua própria realidade territorial.
Destaque: Essa mudança não foi meramente cosmética. Ela redefiniu a identidade do evento, transformando-o em um espaço especializado e de referência para as Ciências Biológicas no contexto do bioma Caatinga.
A continuidade desse modelo de identidade regional é evidenciada pela programação do IV ConUCBio, previsto para setembro de 2024 no Campus II da UNEB em Alagoinhas. A natureza itinerante do congresso, movendo-se entre diferentes campi, enriquece sua proposta ao permitir que as diversas realidades socioecológicas da Bahia sejam sucessivamente postas em destaque.
Edição (Ano) | Tema Central | Campus Sede/Modalidade | Palavras-chave/Eixos Temáticos | Vetor Estratégico |
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I (c. 2020) | (Não formalizado, foco em palestras) | Online | Pandemia, Covid-19, Zoonoses, Saúde, Impactos Socioeconômicos | Resposta à Crise Sanitária Global |
II (2022) | "Tecnociência, Educação e Sociopolítica: o que eu tenho a ver com isso?" | Online (Sede simbólica: Campus X - Teixeira de Freitas) | Tecnociência, Sociopolítica, Educação, Pandemia, Divulgação Científica | Reflexão sobre o Papel da Ciência na Sociedade Pós-Pandemia |
III (2023) | "Natureza e Sociedade: desafios contemporâneos e possibilidades no semiárido" | UNEB Campus VI - Caetité (Presencial) | Semiárido, Sociedade-Natureza, Biodiversidade, Sustentabilidade, Inovação | Ancoragem Regional e Identidade Biômica |
IV (2024) | (Não divulgado) | UNEB Campus II - Alagoinhas (Presencial) | (A ser definido) | Consolidação do Modelo Itinerante e Regionalizado |
Este mapeamento evidencia uma narrativa clara: o ConUCBio evoluiu de um evento generalista, influenciado por pautas externas, para um congresso especialista, com uma identidade forte e um propósito claro de liderar a discussão científica sobre o semiárido. A proposta para a sexta edição deve, portanto, reconhecer e aprofundar essa vocação, posicionando o evento na vanguarda do conhecimento sobre a região.
Para que o VI ConUCBio seja relevante e impactante, seu tema deve dialogar com as fronteiras do conhecimento científico. Uma análise da produção recente revela que a pesquisa no semiárido nordestino, longe de ser periférica, está no centro de debates cruciais sobre sustentabilidade, biotecnologia e adaptação climática. Três grandes vetores de pesquisa e inovação se destacam, formando um ecossistema científico vibrante que deve ser o alicerce temático do congresso.
O vetor mais dinâmico da pesquisa atual no semiárido é a bioeconomia, que representa uma mudança de paradigma na forma como a Caatinga é percebida: de um bioma supostamente "pobre" para uma fonte estratégica de soluções biotecnológicas. Este campo avança em múltiplas frentes:
Paralelamente à busca por inovação, há um forte movimento de valorização e conservação do patrimônio genético que constitui a base da resiliência do semiárido. Este vetor de pesquisa reconhece que a adaptação às condições adversas da região é um processo coevolutivo de milênios, cujo conhecimento está codificado tanto nos genes de espécies locais quanto nas práticas culturais das comunidades.
O terceiro vetor de pesquisa é caracterizado pela sua natureza integradora e interdisciplinar, buscando superar as fronteiras tradicionais das Ciências Biológicas para abordar problemas complexos que exigem uma visão holística.
Com base na análise da trajetória evolutiva do ConUCBio e no mapeamento dos vetores científicos mais dinâmicos da região, propõe-se para a sexta edição do congresso o tema central: "Semiárido Vivo: Bioeconomia, Resiliência e Saberes em Conexão". Este tema foi concebido para ser, ao mesmo tempo, inspirador, abrangente e estrategicamente alinhado com a identidade consolidada do evento e com as fronteiras do conhecimento. Cada um de seus componentes possui uma justificativa clara e intencional.
A força deste tema reside na sua capacidade de sintetizar, em uma única frase, a visão de futuro para a pesquisa biológica na região, articulando os principais eixos de debate científico e social.
Este termo inicial é uma declaração de propósito. Ele funciona como uma poderosa contranarrativa aos estereótipos históricos que associam o semiárido à escassez, à pobreza e à inviabilidade. "Vivo" afirma a exuberância da biodiversidade da Caatinga, a riqueza cultural de seus povos e a vitalidade de uma ciência que floresce em seu seio.
Este pilar ancora o congresso no vetor de pesquisa mais inovador e economicamente relevante da atualidade para a região. A inclusão explícita do termo "Bioeconomia" posiciona o VI ConUCBio como um fórum de vanguarda, dedicado a discutir não apenas a biologia fundamental, mas sua aplicação direta no desenvolvimento de um novo modelo econômico sustentável.
Este conceito é cientificamente robusto e multifacetado, servindo como um elo conceitual entre diversas áreas da biologia. "Resiliência" abrange, de forma elegante, tanto a dimensão genética da adaptação quanto a dimensão ecológica e social.
Este componente final reflete a maturidade do pensamento científico sobre o semiárido, reconhecendo que o conhecimento se constrói na intersecção de diferentes disciplinas e visões de mundo. "Saberes em Conexão" valoriza a interdisciplinaridade, promovendo o diálogo entre a biologia, a agronomia, a geografia e as ciências sociais.
Este tema não surge de forma isolada; ele é o passo lógico seguinte na evolução do ConUCBio. Enquanto o III ConUCBio estabeleceu a fundação com "Natureza e Sociedade", focando na relação fundamental, o VI ConUCBio, com "Semiárido Vivo", aprofunda essa discussão. Ele avança da constatação de uma relação para a proposição de estratégias concretas e de futuro (Bioeconomia, Resiliência) e de métodos para construí-las (Saberes em Conexão).
Para traduzir o tema central "Semiárido Vivo: Bioeconomia, Resiliência e Saberes em Conexão" em uma estrutura programática coesa e funcional, propõe-se a organização do VI ConUCBio em quatro eixos temáticos. Cada eixo funciona como um pilar que sustenta o tema central, guiando a submissão de trabalhos, a composição de mesas-redondas e minicursos, e o fluxo intelectual do evento.
Este eixo é o coração da Bioeconomia e da inovação biotecnológica. Ele se concentra na pesquisa fundamental e aplicada que busca descobrir e converter os recursos biológicos e genéticos da Caatinga em produtos, processos e serviços de valor agregado, promovendo um ciclo virtuoso de conservação através do uso sustentável.
Foco: Abrange desde a pesquisa molecular e microbiológica até o desenvolvimento de cadeias produtivas. O percurso "do gene ao bioproduto" enfatiza a aplicação prática do conhecimento científico para gerar desenvolvimento regional.
Tópicos Sugeridos:
Este eixo aborda os desafios macroscópicos da conservação da biodiversidade e da manutenção dos serviços ecossistêmicos do semiárido em um cenário de rápidas mudanças ambientais e climáticas. O foco está na resiliência, combinando abordagens de ecologia de populações e ecossistemas com a genética da conservação.
Foco: Investigar as ameaças à biodiversidade e desenvolver estratégias baseadas na ciência para garantir a sobrevivência de espécies e a funcionalidade dos ecossistemas, valorizando o patrimônio genético local como ferramenta de adaptação.
Tópicos Sugeridos:
Este eixo representa a dimensão humana e social do tema, conectando a biologia às questões de saúde pública, cultura e qualidade de vida no semiárido. Ele promove uma abordagem integrada e interdisciplinar, alinhada ao conceito de Saúde Única e à valorização dos saberes tradicionais.
Foco: Superar a visão puramente biológica para entender como os processos ecológicos e as dinâmicas sociais se inter-relacionam, impactando o bem-estar das populações humanas e buscando soluções que integrem diferentes formas de conhecimento.
Tópicos Sugeridos:
Este eixo é fundamental para a missão da UNEB como universidade pública e formadora. Ele se dedica à reflexão sobre como o conhecimento científico produzido sobre o semiárido é ensinado, comunicado e transformado em ferramenta de empoderamento e cidadania para a população da região.
Foco: Discutir as metodologias, os desafios e as potencialidades do ensino de biologia e ciências em um contexto semiárido, bem como as estratégias de divulgação científica que promovam a valorização da Caatinga e o engajamento social com a ciência.
Tópicos Sugeridos:
Para garantir que a arquitetura temática proposta se traduza em uma experiência rica e impactante para os participantes, esta seção apresenta um conjunto de sugestões programáticas e recomendações estratégicas. Estas propostas visam materializar o tema e os eixos em atividades concretas, fortalecer parcerias e consolidar o VI ConUCBio como um evento de referência.
A escolha de palestrantes e a composição das mesas-redondas são cruciais para definir o tom e o nível do debate. Sugere-se convidar especialistas que sejam referência nos temas-chave do congresso, promovendo diálogos interdisciplinares.
Título: "Bioeconomia da Caatinga: Ciência, Inovação e o Futuro Sustentável do Semiárido"
Sugestão: Convidar um(a) pesquisador(a) sênior ou gestor(a) de uma instituição de ponta na área, como a Embrapa Semiárido ou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), para apresentar um panorama das oportunidades e desafios da bioeconomia na região.
Título: "Resiliência em Tempos de Mudança: Integrando a Conservação da Agrobiodiversidade e a Genética Animal"
Composição: Esta mesa pode reunir um(a) pesquisador(a) da Embrapa que trabalhe com a genética de raças adaptadas, um(a) representante de uma organização da sociedade civil que atue com sementes crioulas, como a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), e um(a) acadêmico(a) especialista em ecologia das mudanças climáticas.
Título: "Saúde Única e Saberes Tradicionais: Um Novo Paradigma para o Bem-Viver no Semiárido"
Composição: Propor um diálogo entre um(a) pesquisador(a) da área de saúde pública, possivelmente da Fiocruz, que estude os impactos ambientais na saúde, um(a) antropólogo(a) ou biólogo(a) especialista em etnoecologia, e um(a) representante de uma comunidade tradicional (indígena ou quilombola) para compartilhar sua perspectiva.
Título: "Educar para Conhecer, Conhecer para Pertencer: O Papel da Universidade na Transformação do Semiárido"
Sugestão: Convidar um(a) educador(a) de renome, que possa refletir sobre o legado de Anísio Teixeira (nascido em Caetité, sede do III ConUCBio) e discutir o papel estratégico da universidade pública, como a UNEB, na formação de cidadãos críticos e engajados com a realidade regional.
Os minicursos e oficinas oferecem oportunidades de aprofundamento técnico e prático, sendo um dos grandes atrativos para os estudantes.
Título: "Introdução à Bioprospecção de Microrganismos do Solo da Caatinga: Do Isolamento à Análise do Potencial Biotecnológico"
Conteúdo: Baseado nas pesquisas de ponta sobre bioinsumos, este minicurso pode oferecer noções práticas de técnicas microbiológicas.
Título: "Ferramentas de Genética Molecular para Estudos de Conservação"
Conteúdo: Abordar técnicas básicas de extração de DNA, PCR e análise de dados para estudos de diversidade genética em populações selvagens.
Título: "Metodologias em Etnoecologia: Registrando e Valorizando o Conhecimento Local"
Conteúdo: Uma oficina prática sobre técnicas de entrevista, observação participante e sistematização de dados para projetos que dialogam com saberes tradicionais.
Título: "Criação de Materiais Didáticos para o Ensino de Biologia no Contexto da Caatinga"
Conteúdo: Inspirada em iniciativas como a I Mostra de Materiais Didáticos do V EnBio, esta oficina pode capacitar futuros professores a desenvolverem recursos pedagógicos contextualizados.
Para além da programação, algumas ações estratégicas podem ampliar o alcance e o legado do VI ConUCBio.
É fundamental estabelecer e fortalecer laços com as principais instituições de pesquisa que atuam no semiárido, como a Embrapa Semiárido, o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).
O ConUCBio tem em sua origem o fato de ser um evento "planejado e desenvolvido pelos discentes". Esta característica deve ser preservada e incentivada, delegando aos Diretórios Acadêmicos e estudantes a liderança na organização de atividades específicas.
Para que o eixo "Saberes em Conexão" seja mais do que um conceito, recomenda-se a organização de ao menos uma atividade aberta à comunidade da cidade-sede. Isso pode tomar a forma de uma feira de ciências em uma praça pública, uma roda de conversa com agricultores, raizeiras e "guardiões de sementes", ou visitas guiadas de escolas públicas ao evento.
Para valorizar a produção científica dos participantes e ampliar a disseminação do conhecimento gerado, a comissão organizadora deve buscar parceria com um periódico científico qualificado para a publicação dos anais ou de uma edição especial com os melhores trabalhos apresentados.
Conclusão: A implementação dessas sugestões, em conjunto com a estrutura temática proposta, tem o potencial de fazer do VI Congresso Unebiano de Ciências Biológicas não apenas um evento de sucesso, mas um marco na consolidação de uma comunidade científica vibrante, engajada e protagonista na construção de um futuro sustentável para o semiárido.